Cinema Annette

^{"-Queria perguntar-te sobre a marioneta para a bebé Annette. Leos, ouvi dizer que foi uma série de ‘nãos’, não quereres CGI ou algo animatrónico, que te levou à ideia da marioneta. Pode falar sobre essa decisão? Num filme cheio de escolhas ousadas, esta pode ter sido a mais forte.}

^{-Carax: Acho que veio de todos esses ‘nãos’. E também porque como a música, eu queria que ela fosse ao vivo. E não podia ser uma menina de verdade, porque não conseguirias encontrar uma criança recém-nascida que soubesse cantar. Mas eu queria que o Adam, a Marion e o Simon pudessem tocar-lhe. E eu não [sei] nada sobre marionetas (...). E não sou um compositor de música, não sou um escultor, não sou nada na verdade. Precisava de pessoas à minha volta para fazer uma marioneta. Por isso, levei anos até encontrar o marionetista certo. Quando começámos, o filme era um projeto americano e começamos aqui, onde conheci pessoas. Depois tornámo-nos uma coprodução japonesa e trabalhei com uma marionetista no Japão, mas nunca vi a Annette. Finalmente quem salvou o filme foi [Estelle Charlier] uma jovem marionetista em França." (1)}

Leos Carax abriu o Festival de Cannes de 2021 com Annette. Um musical romântico, desconcertante e dramático, uma experiência de cinema total, e o seu primeiro filme em língua inglesa, protagonizado por Marion Cotillard e Adam Driver. A música original é dos Sparks, banda constituída pelos irmãos Ron e Russell Mael, os quais são também responsáveis pela história, que se passa na Los Angeles dos dias de hoje. Henry (Adam Driver), um famoso comediante de stand-up com um sentido de humor corrosivo, e Ann (Marion Cotillard), uma cantora de ópera mundialmente famosa, estão na ribalta e são um casal feliz, apaixonado e glamoroso. Mas o nascimento da primeira filha, a misteriosa Annette, mudará as suas vidas para sempre.

Uma das particularidades de Annette é que a personagem que dá o nome ao filme é uma marioneta. E este facto só foi revelado na estreia do filme. A companhia francesa La Pendue, composta por  Estelle Charlier e Romuald Collinet, foi quem criou esta marioneta. Já se apresentaram duas vezes no FIMFA com Poli Degaine (2008) e Tria Fata (2017), onde o público ficou deslumbrado com o trabalho de manipulação e pela beleza das marionetas. Estelle Charlier concebeu o rosto e a estética de Annette, a partir de uma fotografia de uma menina, enquanto Romuald Collinet tornou possível colocá-la em movimento, criando uma "supermarioneta".

Leos Carax queria ter uma criança muito pequena com proezas de canto sobrenaturais neste filme, mas não queria usar crianças, imagens geradas por computador ou robots. Queria usar algo que os atores pudessem tocar e segurar. A solução foi utilizar uma marioneta. Ideia que lhe surgiu ao pensar numa menina que conhecera há alguns anos na Ucrânia, Masha, quando esta tinha dois anos. Masha tornou-se a inspiração para Annette, que na sua perspetiva tinha de ser feita à mão. A sua busca acabou por levá-lo aos marionetistas Estelle e Romuald. Estelle esculpiu a sua face e ambos criaram nove corpos diferentes para a Annette, que no filme evolui desde o nascimento até se tornar uma criança de cinco anos, altura em que é interpretada por uma atriz real. A não perder!

^{(1) Entrevista a Leos Carax e Sparks, Leos Carax and Sparks on sex, musicals, puppets and ‘Annette’, Los Angeles Times, 23 de agosto de 2021.}